31 de julho de 2011

A tradição hindu do crematório


Shiva, divindade hindú. Ilustração daqui
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Este post foi publicado anteriormente no blogue «Ilha de Moçambique».

O Adepto vê, sente e vive na própria fonte de todas as verdades fundamentais a Essência Universal, e Espiritual da Natureza, SHIVA, o Criador, Destruidor e Regenerador.

Sabe-se que na Europa, opta-se cada vez mais pela cremação, tornando mais íntima e discreta, bem como laica, a cerimónia relacionada com a morte.

Pelo contrário, a cremação hindu, é profundamente religiosa e nada tem de privado ou de discreto. A ocasião é solene e pública, envolvendo toda a comunidade. É o mais importante rito de passagem que a família pode proporcionar ao falecido.

Assim era, também na ilha de Moçambique, quando havia uma comunidade hindu bastante próspera. Hoje, essa comunidade desapareceu e já não se pratica o hinduísmo, como religião formal e uma das grandes religiões do mundo.

Há vários anos, a comunidade hindu na ilha tinha os seus pilares religiosos principais, baseados no seu templo e no crematório. O templo (se ainda existe) ficava numa rua lateral ao mercado municipal da ilha.

Eu vivia muito perto deste templo. A minha casa era mesmo em frente à Câmara Municipal, portanto, ao transpor a porta da rua, virava à esquerda em direcção ao Mercado Municipal e na primeira esquina, voltava a virar à esquerda, andava uns metros e chegava ao templo.

Interior do templo hindú na ilha de Moçambique, 2007. Foto do «Petromax», aqui.
Sempre me senti muito atraído por este templo, mas na altura, adolescente, nada sabia do significado religioso que existia por detrás. Eu apenas gostava de entrar e sentar-me, apreciando os cheiros que lá havia. Odores a frutas, especiarias e incensos. Gostava muito de lá estar e, ainda por cima, era bem recebido por um senhor que cuidava do templo e do jardim. Um dia, ele autorizou-me a entrar na zona de orações, com todas as lavagens ao corpo que isso implicava.

Foi lá que, um dia, esse mesmo senhor me disse, mais ou menos isto: «tens vidas passadas na Índia e agora estás a viver o teu dharma». Foram precisos cerca de 20 a 25 anos para eu entender direito o sentido daquela frase. 

Por isso, hoje digo que não vivo com saudades da ilha, e apesar de ter este blogue, não sou um saudosista, mas sim alguém que teve a sorte de ter tido e vivido, naquele sítio específico, um tempo mágico. Apenas isso. E é esse tempo mágico que tento cultivar aqui no blogue. Digamos de outra forma: foi uma recompensa tida nesta minha reencarnação, por ter feito alguma coisa bem feita, em vidas passadas. Foi dharma, do bom. E é bom gostarmos desse tempo mágico. Um dia, tentarei escrever mais sobre este tema em particular.

Localização do templo


Olhando-se para a ilustração do Google Earth, ve-se em direcção ao canto superior direito, paralelo ao bonequinho amarelo, um edifício sem cobertura na parte central, que corresponde ao templo hindú, tal como se pode ver na fotografia mais acima, tirada em 2007.

Na tradição hindu, os corpos dos mortos são cremados ao ar livre, e o filho mais velho é o responsável por acender a pira funerária do pai ou da mãe. É a purificação do corpo que pertence a esta vida, pois o espírito parte para outras dimensões. Nas tradições religiosas diz-se «céu». Obviamente, o momento da cremação é antecedido de um ritual que concentra as atenções da comunidade hindu local, que fazem oferendas, colocando no corpo em cima da pira, pequenos objectos com um enorme significado, e que são feitos com cânfora, cárdamo, cravo e açúcar, com a finalidade de ajudar a erradicar as imperfeições da alma, segundo a crença hindú.

Os filhos e o/a viúvo/a, sempre vestidos de branco, tocam os pés do falecido/a em sinal de veneração e respeito, juntando depois as mãos à altura do peito, inclinam-se e afastam-se um pouco do local.  O filho mais velho então pega numa tocha acesa, dá 3 voltas em redor da pira e coloca-a no meio da lenha, aguardando que se faça a fogueira. Entretanto, os presentes iniciam a entoação de mantras que são repetidos 47 vezes, para ajudarem a alma a encaminhar-se para o seu destino, afastando-se do mundo dos vivos.

Pode demorar algum tempo, sempre acompanhados dos mantras, até se ouvir um estourar seco. Quando isso acontece, quer dizer que que a cabeça do falecido abriu-se (não se vê nada, pois as chamas não permitem) e a sua alma segue em direcção aos deuses, a Brahma, Shiva e Vishnu. Ou ao «céu», como alguns chamam. Os mantras são entoados com mais energia e os presentes atiram pétalas de flores às chamas. Termina assim o ritual, que, obviamente, simplifiquei. 

Todos os presentes são convidados a se dirigirem a uma zona distinta do templo/crematório, onde lhes é servida uma espécie de banquete, muito rico e diversificado, em memória do falecido.

Na ilha, e já mais crescido, com 19 anos, tive a oportunidade de assistir à cremação de uma pessoa da terra.

 Localização do crematório

Esta é a ponta Sul da ilha de Moçambique e o edifício descoberto corresponde ao crematório hindú, cujas fotografias actuais são apresentadas mais abaixo.


A ponta Sul da ilha, vendo-se ao fundo o Fortim de S. Lourenço. Mesmo na ponta final encontra-se o crematório. Autor da foto: Sr. João Manuel Borges, antigo piloto de barra da ilha. Esta foto faz parte da página no Facebook, de Jorge Henrique Borgesaqui.

O estado actual do crematório hindu
e as imagens do pilar e assentos nas rochas que se encontram em frente,
e nesse enfiamento, um pouco à esquerda, a ilha/fortim de S. Lourenço

Agora, que já não há hindus na ilha, a grande questão para as comunidades locais,
residem nestas perguntas:

«Que fazer com este espaço? Que utilidade pública pode ser dada a esta zona?»
Vista lateral do crematório hindu, 2011. Foto recolhida no grupo privado «Ilha», no Facebook.
Autor da foto: Sr. Ossemane Absul Satar Daudo.
Sua página no Facebook, aqui. 
Vista de frente do crematório hindu, 2011. Foto recolhida no grupo privado «Ilha», no Facebook.
Autor da foto: Sr. Ossemane Absul Satar Daudo.
Sua página no Facebook, aqui.

Duas fotos do interior do crematório hindu, 2011. Foto recolhida no grupo privado «Ilha», no Facebook.
Autor da foto: Sr. Ossemane Absul Satar Daudo.
Sua página no Facebook, aqui.

Fotos seguintes: Em frente ao crematório existe um pilar com os assentos cravados nas rochas.
Fotos recolhidas no grupo privado «Ilha», no Facebook.
Autor das fotos: Sr. Ossemane Absul Satar Daudo.
Sua página no Facebook, aqui.


Mesma foto, mas mais próxima.
Parte da minha família, faltando apenas a minha Mãe, que foi quem tirou a foto.
Foto tirada no mesmo local das duas fotografias anteriores:
o pilar e os assentos nas rochas. Foto de 1967.

No enfiamento do crematório e do pilar, temos esta vista: a ilha/fortim de S. Lourenço.
Foto recolhida no grupo privado «Ilha», no Facebook.
Autor da foto: Sr. Ossemane Absul Satar Daudo.
Sua página no Facebook, aqui


O texto que apresento a seguir, sobre o hinduísmo, foi recolhido na Wikipédia.

«O hinduísmo é uma tradição religiosa que se originou no subcontinente indiano. Num sentido mais abrangente, o hinduísmo engloba o bramanismo, a crença na "Alma Universal", Braman; num sentido mais específico, o termo refere-se ao mundo cultural e religioso da Índia pós-budista. Entre as suas raízes está a religião védica da Idade do Ferro na Índia e, como tal, o hinduísmo é citado frequentemente como a "religião mais antiga", a "mais antiga tradição viva" ou a "mais antiga das principais tradições existentes". É formado por diferentes tradições e composto por diversos tipos, e não possui um fundador. 

O hinduísmo é a terceira maior religião do mundo, depois do cristianismo e do islamismo, com aproximadamente um bilião de fiéis, distribuídos pela Índia, Nepal, Bangladesh, Sri Lanka, Paquistão, Malásia, Singapura, espalhada um pouco por todo o mundo.

Os hindus acreditam num espírito supremo cósmico, que é reverenciado de muitas formas, representado por divindades individuais. O hinduísmo é centrado sobre uma variedade de práticas que são vistas como meios de ajudar o indivíduo a experimentar a divindade que está em todas as partes, e a realizar a verdadeira natureza de seu Ser.

O hinduísmo não tem um "sistema unificado de crenças, codificado numa declaração de fé ou um credo", mas sim é um termo abrangente, que engloba a pluralidade de fenômenos religiosos que se originaram e são baseados nas tradições védicas.

O hinduísmo por vezes é caracterizado pela crença na reencarnação (samsara), determinada pela lei do karma (karma), e que a salvação é a liberdade deste ciclo de sucessivos nascimentos e mortes.

Carma (Karma) pode ser traduzido literalmente como "acção", "obra" ou "feito" e pode ser descrito como a "lei moral de causa e efeito". De acordo com os «Upanixades» um indivíduo, conhecido como o jiva-atma, desenvolve samskaras (impressões) a partir das acções, sejam elas físicas ou mentais. O linga sharira, um corpo mais subtil que o físico, porém menos subtil que a alma, armazena as impressões, e as carrega à vida seguinte, estabelecendo uma trajectória única para o indivíduo. Assim, o conceito de um carma infalível, neutro e universal, relaciona-se intrinsecamente à reencarnação, assim como à personalidade, característica e família de cada um. O carma une os conceitos de livre-arbítrio e destino.»


Foto encontrada na página do amigo e conterrâneo Jerry Gomes da Silva.
V~e-se a ponte que liga a ilha ao continente e à esquerda, o crematório hindu.

Eu era muito jovem

... quando li pela primeira vez o «Bhagavad Gita» («Bagavadguitá» em português). Tive que esperar uns quinze anos para o voltar a ler e poder entender as implicações desta obra maravilhosa. Obra muito especial e que ressoa dentro de mim, como nenhum outro Livro Sagrado que li ao longo da minha vida.

O «Bhagavad Gita» é considerado parte desta filosofia e foi escrito em 400 ou 300 a.C., é um texto central do hinduísmo, um diálogo filosófico entre o deus Krishna e o guerreiro Arjuna. Este é um dos mais populares e acessíveis textos do hinduísmo, e é de essencial importância para a religião. O Gita discute altruísmo, dever, devoção, meditação, integrando diferentes partes da filosofia hindu.

Um mantra hindú, dedicado a Vishnu





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3 comentários:

  1. António, querido!
    Muito bacana tudo isso. Li quando da postagem no seu outro blog e assim como hoje fiquei extremamente encantada em conhecer os detalhes desse ritual.
    E, também em saber um pouco mais desse seu tempo mágico, da sua lenda pessoal.
    Essa é a sua canção que eu gosto de ouvir!!!
    Beijão..que bom que conseguiu salvar este post!
    Astrid Annabelle

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  2. Boa tarde, Astrid,

    Este post foi um «capricho» meu e nem imagina o trabalho que deu.

    Os textos do «ilha» não desapareceram, mas sim as fotos.

    Como é a segunda vez que tenho problemas com as fotos do blogue, só que desta foi sério aviso, e como não sei se a questão mais técnica prende-se com a ligação (feeds) entre o álbum «Ilha» no Picassa e o próprio blogue, optei por passar todas as fotos deste post (uma a uma) para o álbum «Cova do Urso» no Picassa.

    Depois copiei o texto para aqui e coloquei as fotos com links directos do álbum do Cova.

    Foi imenso tempo nisto.

    Eu tinha que ficar com este post para memória futura :)))

    Beijos,

    António

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  3. António,

    Adorei este Post, muito esclarecedor sobre a religião Hindu e os seus rituais, como é um tema que me fascina, a minha lua (sagitário) ficou mais rica. Muito obrigado

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